domingo, 13 de junho de 2010
Dos 20 minutos antes ou De pensar em música?
A multidão o seguia. E não havia mundo no nada que fosse contra este fato.
O homem andava como um bêbado pelas ruas. Não havia nada que despertasse respeito por aquele homem. Braços de fora, um rosto comum e popular. Se o mundo não o desprezava, tampouco o percebia. Ninguém saberia dizer de onde ele veio. E ninguém queria saber.
Naquele mundo onde pessoas andavam para seus destinos já programados, ele andava já sem rumo depois de 42 anos de vida. As coisas rodavam em sua cabeça como sempre rodavam, mas pela primeira vez ele percebeu o quanto não conhecia o mundo, o quanto não conhecia o outro, o quanto não conhecia a si mesmo. Parando para pensar, esqueceu-se de andar e esbarrou em uma senhora que vinha no sentido oposto, perdeu o equilíbrio e caiu da calçada para a rua. Bateu com a cabeça no chão e sentiu o impacto. Sentiu o impacto. O impacto.
Foi a primeira vez que teve consciência de ter sentido algo. Já sabia que sentira algo em algum momento anterior, mas pela primeira vez foi consciente. Naquela queda descobriu a lei da gravidade, as leis da física e tudo o que lhe ensinavam na escola. Desde as leis de Newton até o sistema nervoso do corpo humano. Pela primeira vez viu que as coisas tinham alguma lógica quando ligadas entre si, e que essa lógica era justamente a unidade ilógica entre elas. Que ao sentir em sua cabeça o impacto, culpa da lei da gravidade e somente dela com todo o seu poder, essa tal lei era o que menos importava.
Levantou-se com os olhares das pessoas que não pararam para ajudá-lo. Já não lembrava para onde ia, e nem se importava. Olhou para um homem de terno que vinha em sua direção e puxou-o. Em sua cabeça tocava o bolero de Ravel. E dançou o bolero com o homem de terno, que deixou sua pasta com suas coisas caírem no chão. O homem de terno não entendeu. Não conseguiu codificar e talvez por isso sua mente trabalhou de forma estranha para aquele mundo. Sua mente pôs em seus toca-discos If you’re feeling sinister, música longínqua de sua adolescência de 13 anos. E começou a dançar com o homem que andava como bêbado. Dançavam músicas diferentes mas seus passos se completavam.
O homem bêbado deixou o homem e andava pelas ruas com um sorriso no rosto e dançando com os braços abertos. Gargalhava e divertia-se. Pegava nas mãos das pessoas e mostrava os dentes de forma hedionda como o homem mais feliz do mundo. Dançava a música de sua cabeça e esbarrava nas pessoas em volta, que confusas com aquela imagem, assim como o homem de terno, não decodificavam o que acontecia.
Mas aqueça dança despertava músicas e mais músicas em cada uma das cabeças não pensantes daquelas pessoas. E, talvez por simpatia, ou talvez por medo de perderem suas músicas, as pessoas acompanhavam e seguiam aquele homem desconhecido e insignificante. Não sabiam de onde ele vinha, mas ninguém se importava com isso. O homem seguia em frente dançando, cantando e sorrindo. E atrás dele uma multidão de pessoas dançando juntas a mesma dança, ouvindo cada um a sua própria música. Um carnaval silencioso. Uma ciranda muda a partir de um homem que andava como um bêbado.
A multidão o seguia. E não havia mundo no nada que fosse contra este fato.
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