Ao fim do dia estava
exausto. O nariz impõe minha presença aos outros. Se a princípio
eu achei que iria me dar uma certa liberdade maior por estar
mascarado, a máscara me poe em evidência. Tanto para os outros
quanto para mim mesmo. Estar em evidência por uma, duas horas é uma
coisa, é mesmo meu trabalho. Mas durante todo o tempo ser lembrado
por um elemento externo que você está ali naquele momento e naquele
lugar é extremamente cansativo.
Por muitas vezes me
pegava adiantando processos, pensando já no que poderia acontecer ao
chegar em tal lugar ou falar com tal pessoas com o nariz. Não podia
simplesmente fingir que não existia ou passar qualquer momento em
estado de mecanização. A relação que mais me impressionou por ser
inesperada foi a minha comigo mesmo. Me ponho em evidência não só
no lugar em que passo por estar diferente, mas para mim mesmo.
Quanto aos outros, é
interessante como as pessoas ou precisam de alguma explicação para
o que acontece ou simplesmente ignoram. Os lugares onde senti meu
nariz ser mais ignorado foram em lojas ou estabelecimentos em que eu
seria atendido (deve haver algum tópico no treinamento que afirme
que não é educado olhar pro nariz vermelho dos outros) e na UNIRIO,
faculdade de teatro em que mais uma vez minha teoria de que qualquer
performance praticada naquele espaço torna-se esvaziada por virar
banalidade. Um homem com nariz de palhaço, o que tem de diferente
nisso?
Como lidar com as
crianças? Assumi um papel lúdico. As crianças não questionam se é
um homem com nariz de palhaço, mas reconhecem o palhaço em si. Não
há o estranhamento mas a identificação. Como lidar com isso foi
uma das questões enfrentadas. Resolvi assumir o papel que elas
esperavam de mim e brincar com o jogo. Foram os momentos mais
tranquilos do dia, quando eu e o nariz representávamos algo só.
Talvez durante todo o tempo eu briguei com o nariz. Me vi
inconscientemente desviando caminhos para evitar passar por certos
lugares com número maior ou tipo específico de pessoas.
No final do dia,
ocorreu o inesperado de perceber que as pessoas podem associar o
nariz a algum defeito físico real, não lendo o nariz como algo
inorgânico em mim. Comentários me fizeram repensar todos os olhares
que havia recebido durante o dia. O nariz não tem uma cor forte e é,
segundo alguns, bastante orgânico.
No fim das contas, não
houve grande transformação além dos olhares estranhando e
ignorando logo depois. Porém estar nesse lugar durante todo o tempo
impondo a mim mesmo a minha presença... sem contar o vapor no óculos
e a dificuldade de respirar.