segunda-feira, 14 de junho de 2010

Do Como Quem não é ninguém ou Importado de 2005

Sensação estranha. Sentimento estranho.
Andando em direção ao metrô Del Castilho, caminho rotineiro das minhas terças-feiras, fazendo sem medo ou vergonha exercícios recomendados pela minha fonoaudióloga.
Subindo as escadas de ferro que dão acesso ao metrô, duas senhoras tentam sem sucesso falar com uma terceira pessoa, e com o não surgimento da resposta esperada, riem como quem diz "eu hein" e vão embora, e eu finalmente a vejo.
Sentada no canto do último degrau que dá acesso a um longo corredor, com o rosto meio escondido, olhos fechadoscomo quem dorme (e talvez realmente dormisse), encolhida com os cabelos longos, cacheados, de uniforme do Pedro II. Blusa e saia (chuviscava insistentemente) do Colégio Pedro II.
Passei direto, talvez tenha chegado a olhar pra trás, pra vê-la de novo. Mas olhando ou não, por todo o caminho ela estava nos meus pensamentos.
Ela, ali, de saia e uniforme, enquanto chuviscava. Ela estava, era linda. De fato, qualquer menina é linda enquanto dorme, especialmente ela, mas estava no lugar errado. Na verdade, tudo convergia para uma daquelas cenas melancólicas de filmes ingleses, passadas em Londres. A diferença é que desta vez não era filme, era real. Aquela menina era real e não combinava com todo o resto.
Podia tentar (e tentei) fazer paralelos com Nelson Rodrigues (qualquer menina de uniforme escolar é Rodrigueano), Bertolt Brecht (qualquer pessoa jogada ao léu da consciência alheia retoma a Brecht), ou até Maria Clara Machado (era uma criança afinal). Mas o que não batia era o realismo imposto naquela cena, por mais teatral ou cinematográfico que aquele quadro fosse.
Perdido, fui até o guichê e comprei meu bilhete. Peguei um folheto qualquer sobre integração metrô-ônibus e tentei fingir a mim mesmo algum interesse. Um desastre.
Já com o bilhete na mão, resolvi tentar ver aquela menina de novo. Não dava pra vê-la da estação, então subi algumas escadase voltei a vê-la. E lá estava ela, como sempre esteve pra mim. A exata posição anteriore só um corredor de uns dez metros nos separando.
Na verdade mais do que isso.
Eu fiquei parado por uns quinze segundos, pensando, tentando tomar aqueles cinco copos de vinho internos que me trariam a embriaguez necessária capaz de vencer a timidez, o medo, enfim, a mim mesmo.
Uma coisa nos unia e talvez isso bastasse. Eu sou ex-aluno do Pedro II. Poderia ser eu ali. Seria o primeiro passo para algo que poderia fazer a diferença na vida daquela menina e mais ainda na minha vida.
E enquanto eu estava sempre em movimento, ela permanecia inerte, só, não sei se queria ter alguém do seu lado, se sonhava ou esperava alguém. Mas eu queria estar do seu lado. Talvez nem recebesse respota. Ou talvez conhecesse a pessoa com quem passaria o resto da minha vida, mas só queria a sensação de tentar ou poder ajudar. Não ter todos esses "talvez" agora.
E ao mesmo tempo ela dormia, e eu não queria acordá-la. Só queria que ela estivesse ddormindo em outro lugar que não ali.
Estava atrasado para onde ia. Quase que automaticamente, sai da minha inércia ativa e, sem conseguir achar os cinco copos de vinho, dei meia volta em direção ao metrô.
Sempre pensando nela, sempre querendo voltar, fui andando como que sem alma, introduzi o bilhete na catraca e passei para o outro lado.
Poderia voltar e fazer o que devia ter feito, mas simplesmente não fazia. Simplesmente continuava o que já tinha começado. E a cada estação que passava, pensava em voltar, mas não voltava.
E imagino se ela ainda está lá, ou aonde estaria. O que teria acontecido, qual o seu nome, que unidade do Pedro II estuda...
E que se mil pessoas passaram por aquela menina e nem perceberam, nem se importaram, pelo menos uma delas se preocupou e tentou voltar, ajudar. Mas não o fez. E o fato de não fazer faz essa pessoa ser exatamente igual a todas as outras que pasaram reto por aquela menina que dormia ali, na chuva.
E o mais estranho é que aquela menina nunca vai saber da importância que teve aquele momento pra mim. E eu nunca nem vou poder contar.

Sempre no futuro do pretérito. Tempo inútil.

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